A Noite em que o Beira-Rio Suspirou
Quem já teve a oportunidade de dirigir pelas ruas de Santa Maria, no pulsante coração do Rio Grande, talvez concorde comigo: pode não ser o pior lugar do mundo pra dirigir porque ainda temos a Índia, por exemplo. Mas, com certeza, alguns dos piores motoristas do Brasil andam por aqui.
Certo dia, após ver o INTER ser eliminado de mais uma competição na noite anterior, eu descia pela manhã a rua Floriano Peixoto, penúltima quadra, literalmente nenhum carro perto e um senhor resolve, pra testar minha sorte, tirar seu “coche blanco” da posição de estacionamento na rua para a via de trânsito e, sem nenhuma cerimônia, corta minha frente. Nisso, tive a infeliz ideia de dar um leve toque na buzina. Imaginei que pela idade o senhorzinho não tivesse notado minha presença.
Contudo, não é que o sujeito se ofendeu? Gesticulou, colocou a mão pra fora da janela do carro com o dedo médio em riste e, como se não bastasse, parou o carro na via bem na minha frente. Cheguei a colocar a mão no freio de mão para ancorar o carro e poder saltar pela porta em direção ao incauto motorista num impulso de raiva.
Em outros tempos teria arrumado alguma confusão. Mas, devo estar ficando velho ou prudente… talvez os dois, pois, julguei que não valia a pena a contenda. Eu estava numa escolha entre: 1) a poucos metros a frente converter o carro a direita e nunca mais ver o sujeito na vida; ou, 2) optar pela violência e bater num idoso ou apanhar de um velho (quem sabe? dado que não parto para as vias de fato na rua desde meados de 1991, aproximadamente) ou, ainda, sabe-se lá que tipo de confusão eu iria me meter por um motivo fútil; ou seja, em qualquer situação, optando pelo cenário 2, eu estaria errado.
Óbvio que não avaliei isso na hora do embate ridículo. Como não tenho o hábito de discutir apenas me demovi da ideia e pensei alto “não vale a pena”. Mais alguns metros e algumas provocações resistidas eu estava livre daquele encontro kármico sem maiores danos.
Karma… palavra pesada de origem hindu que abrasileiramos para dívida ou sina. Karma não é sina, assim como uma sina não precisa ser necessariamente um karma. Karma é remediável, negociável e até mesmo pode ser transformado em Dharma. Já uma sina não tem nenhuma dessas opções. Karma é uma consequência enquanto sina é um destino. Kharma tem a ver com nossas escolhas, sina é um caminho sem volta.
Assim, as vezes, especialmente depois de derrotas acachapantes como a de quarta-feira, me questiono se ser Colocado não é uma espécie de karma. Alguma espécie de mortificação espiritual ou uma pena que o sujeito se auto-impele.
Após cada derrota inexplicável sempre é o mesmo ciclo: o time dá esperanças, o INTER perde um jogo decisivo quando dependia só dele mesmo para fazer uma bela história, jogadores pedem desculpas, torcida jura amor eterno apesar dos pesares… elege-se algum carrasco e/ou vilão… e o ciclo se renova até a nova esperança.
Existem momentos de redenção? Claro! Se não fossem as conquistas seríamos masoquistas e não torcedores. Mas é incrível como o INTER consegue perder quando parece a única opção IMPOSSÍVEL. Por exemplo, nessa rodada de semi-finais da Libertadores. Em pleno Rio de Janeiro, no primeiro jogo, o time poderia matar a disputa pela vaga na final já no primeiro turno dos embates. Tivemos um jogador a mais em campo praticamente todo o segundo tempo e o que aconteceu? Deixou para decidir em Casa (né Renê?).
E em Casa com o Beira-rio lotado e o entorno do estádio pulsando como um coração apaixonado pela vibração dos torcedores que foram até ali mesmo sem ingresso estávamos com o jogo ganho, a partida dominada e o que o time faz?
Não sei… espero que alguém me explique o que eles fizeram dos 30 minutos em diante do segundo tempo. R$ 60 mil reais investidos no Ruas de Fogo para os jogadores terem medo de dar carrinho e matar a jogada de ataque do Fluminense ou dar um carrinho e deixar o segundo gol acontecer? Segurar a bola no ataque e fechar o meio?
Como todo enredo vocês tem os seus vilões… eu tenho os meus. Acredito que acharemos várias explicações. Mas isso não resolve nada. Não adianta vir hoje com um diagnóstico para o paciente que morreu ontem. É preciso mudar a mentalidade da equipe, ajustar a filosofia do clube. É preciso jogar pra vencer? Sempre! Mas também é preciso saber a hora de sofrer no jogo e a hora de cadenciar a partida… é preciso saber matar o jogo e a hora a partir da qual não tem mais jogo.
No INTER hoje parece que a maioria dos jogadores tem medo ou vergonha de fazer falta ou dar balão. Nem segurar a bola no ataque procuram mais! Fomos campeões do mundo jogando assim: nem feio nem bonito, mas sendo pragmáticos e objetivos, explorando ao máximo vossas potencialidades. a anos o time parece sempre estar se poupando para um grande dia que nunca chega. Enquanto isso seguir assim volta e meia revisitaremos essa sensação de luto por mais uma derrota burra, injusta e motivada por erros estúpidos.
O Rafael Sóbis definiu bem o esporte durante uma entrevista: o futebol é um jogo de erros e quem erra menos vence. Futebol, assim como na vida ou no trânsito não é sobre justiça ou mérito é sempre sobre fazer a coisa certa na hora certa.