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(Foto da Capa: Fred Colorado)

Boa noite gurizada!!!

Hoje vou fazer algo novo e reproduzir aqui no BV um dos textos mais bacanas que eu li nestes últimos tempos.

Crédito total ao jornalista EMANUEL NEVES, criador da obra “Valei-nos, Andrés“.

Foi de espinhela caída e alma em frangalhos que rumamos para o clássico da humilhação. Como ao galo de rinha cantado por Dom Jaime, o empate surgia em contornos de banquete à nossa vista — e assim peleamos por ele, gota após gota. Por isso, ao cabo, a noite de sábado nos chegou com mais sabor. Senhores, eis o que fica do embate de anteontem: a fenda rasgada em 2016 tornou abissal a distância entre o Beira-Rio e a Arena. O jogo, a meu ver, só ratificou o tamanho das diferenças. Sobra, no Humaitá, tudo o que rareou na Padre Cacique. Há conjunto nesse Grêmio; há recursos e opções, madureza e solidez; há taça e há alívio. Porém, em que pesem a opulência e o fim da seca, mesmo com um novo rol de nomes gravado em sua galeria imortal, a mim parece que esse Grêmio ainda dá por falta de um estandarte. Eu falo de uma bandeira. Um símbolo legítimo. Senão, vejamos.

Analisemos Pedro Geromel, por exemplo: primor de zagueiro, cuja aura é aquecida por um pulôver costurado pela avó. Geromel, eu garanto, não se vê liberado para os treinos sem que antes a mãe lambisque o polegar e lhe pespegue uns bons apertões nas bochechas. É um rico dum guri, em suma. O que dizer de Kannemann, então? Kannemann, o bárbaro. Um castelhano-escandinavo, um Odin que grunhe, martela e pilha à frente da grande área. Walter é rochoso e gelado como uma montanha islandesa, é um viking que desconhece empatia pela própria genitora. Não é feito para se amar. Avançando, chegaremos a Maicon: pinta de capitão, postura, torso e discurso de capitão, carisma de abacate. Carisma, aliás, que sobra em Douglas, esse Zé Pelintra da meia-canha. Mas há tanta mofa e malemolência na cintura e no freezer de Doga Dez que, se lhe oferecessem a braçadeira, presumo, ele a encaixaria na testa, qual gravata de executivo em bundalelê de firma.

Ainda há Luan, aquele menino talentoso que bem poderia estar sentado na porta do SOE; há o decano Grohe, de lombo vergastado pelo tempo, das mãos como imãs da ruína, hoje redimidas. Enfim, de ponta a ponta, corramos o plantel desse muito bom Grêmio, já histórico e doravante candidato a tudo o que disputar no ano — para nosso desespero –, e não encontraremos uma personalidade realmente cativante. Ela até existe, de fato, mas habita a casamata. Portaluppi é totem incontestável — e o espelho, sua Meca particular, lhe garante isso três vezes ao dia. Embora eterno, o Renato humano não farda, está aferrado às inconstâncias da tabela e pode acabar zarpando para o Galeão, cedo ou tarde, caso o tempo preteie pelo lado dos Andes. Sendo assim, dentro das quatro linhas, atualmente, o gremismo fundamental se vê representado por apenas um jogador. E vocês sabem quem é.

Amigos, eu já disse e repito: Andrés D’Alessandro resume todos os valores que o tricolor de raiz cultivou desde sempre. Há, no gringo, uma infusão de Danrleis e de Dinhos, de Adílsons e de Catimbas e de toda uma estirpe azul, preta e branca responsável por forjar o Grêmio que eu aprendi a respeitar e torcer contra. Está tudo ali, vicejando sob o topete dourado de Andrés, e tudo emana na sua voz grasnante, em seu sotaque tanguero; transborda em cada bochincho que o enganche promove e dissolve; ilumina-se na batuta zurda que orquestra os movimentos do campo e do apito; em seus braços de titereiro, manipulando as peças a seu comando, a seu gosto, bastando, para tanto, um mero arquear de sobrancelhas. E o pior: em cada vez que ele esmurra o peito vermelho e faz nosso sangue correr mais forte. Nesses meus 37 anos de coloradismo, jamais vi nada parecido com D’Alessandro. Só do lado de lá.

Eis o motivo de tantos colorados ainda torcerem o nariz para o pequeno Diego de La Paternal e, desde há muito, apregoarem o seu fim. Porque D’Ale esculhambou nossos conceitos de idolatria, subverteu-os, sapateou e fez fuzarca em nossa psique — e na dos co-irmãos também, por rebote. O impacto causado pelo argentino não encontra precedentes — daí advém esse estranhamento. D’Ale mexeu no DNA do Internacional, eu reforço. Incutiu-lhe certos elementos — ou os despertou. E hoje tem a missão de sustentá-los até que o clube compreenda a sua nova condição, entenda-se o Inter que ele ajudou — e ajudará — a recriar. Bastou abdicarmos desse pilar antes da hora e tudo ruiu.

Não há comparação com outros mitos. Nem mesmo Fernandão. Ora, convenhamos, Fernando era um Arcanjo Miguel. Fernando desfiliou-se de alguma dinastia celeste qualquer e veio cá nos envolver em suas asas para lembrar-nos que também éramos filhos de Deus. D’Alessandro, não. D’Alessandro é de carne e fogo. Mesmo assim, quando pisou no Salgado Filho, Andrés fundou um tipo de dimensão bizarra no futebol gaúcho. O gringo tomou o estado para si e nele arquitetou seu universo próprio: fez-se sol e todo o resto passou a orbitar ao seu redor. Agora, então, começaremos a testemunhar o seu ocaso. E que lindo é vê-lo pender desse jeito, como num fim de tarde do Guaíba, crepúsculo detrás dos ombros do Gigante: pairando belo e com vagar, raptando as atenções, encantando quem se dispuser a admirá-lo.

E, acima de tudo, ainda ardendo em chamas.“.

Parabéns mais uma vez amigo!

Saudações Coloradas…

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