SACRIFÍCIO
Meus últimos dias na repartição foram estranhos. Por um lado entendia que saía com a sensação de dever cumprir. Por outro, o sentimento era de “gosto de quero mais”. Na verdade, até hoje e apesar de tudo o que fiz, tenho a impressão de que se não saí pela porta dos fundos, o fiz pela opção lateral. E isso sempre remoeu dentro de mim. Sempre!
Todavia, como isso aqui não é divã acerca dos meus desgostos e desalentos na vida – e, acreditem, eles são muitos – o assunto ‘repartição’ vem novamente à baila, pois estes dias fiquei com a impressão de ter avistado num dos tantos supermercados da Capital (afora farmácia o que mais inaugura no Rio Grande) o Valério, um velho companheiro de jornada e labuta. Não sei se conheci outro Colorado com tamanha paixão; e ainda assim a demonstrava sempre de forma pacífica, polida e racional. Um gentleman!
Dono de uma barba invejável e sempre bem aparada, às vésperas da final do mundial de 2006 o Valério chegara na repartição contando da promessa que havia feito a seu barbeiro: rasparia a barba se o Internacional fosse campeão do mundo; logo ele que cultivava os pelos faciais há quase quatro décadas, ininterruptas; nem mesmo a esposa alguma vez lhe vira de “cara limpa” até então.
Contudo, sabia o Valério que naquelas circunstâncias, para além do desempenho do time no Japão, precisava ele enquanto torcedor fazer algo que ia além do racional: o sacrifício. No seu caso, raspar a barba.
O time do Inter não será campeão novamente enquanto os próprios jogadores não se deram conta que precisam um pouco mais, precisam se sacrificar realmente pelo Clube e pela causa. Nada me tira da cabeça que a classificação antecipada à fase de grupos da Copa Libertadores, fruto do mérito de terceiro, fez com que tenhamos entrado em campo nestas duas partidas “de sangue doce”, ainda que eu prefira a definição do “atirado nas cordas”. Até mesmo o Capitão do time não se fez ou fará presente em campo, ainda que espero que esteja dentro do vestiário cumprindo o seu papel ainda que minimamente.
E por mais que a chance do tetra fosse mais um devaneio que flertava com sonho, de novo nossos jogadores – a meu ver – demonstraram a sensação de “dever cumprido” antes do tempo. Aquele “pouquinho mais” que bradou Fernandão no vestiário do estádio em Yokohama, não à toa um vencedor, segue distante dos nossos atletas conformados, que uma vez mais optaram pelo caminho mais fácil.
Será que o time está pronto para ser campeão? E quer ser campeão?
Não adentrarei no mérito de desempenho em campo, quer do time ou da arbitragem (em que pese neste ponto pudesse ou mesmo devesse). Tal qual a história premia os campeões e sequer guarda um espaço para falar do vice, a última imagem que ficará são das duas derrotas em sequência, condição atenuante do relevante feito das dezesseis partidas sem perder. E é assim (e sempre foi) o futebol, gostamos ou não: o dezesseis é uma estatística vazia que, sem o título, é apenas um rabisco no contexto da história.
Levantar uma taça novamente irá requerer o “bendito” sacrifício. De todos: torcedores, dirigentes e jogadores, principalmente. Quiçá, novamente dos pelos da face do Valério. Mas que tem de haver o sacrifício, isso tem!
Nunca foi tão fundamental aquele “pouquinho mais” que profetizou o Capitão. Para a vida e o futebol, sem ambição não há um bom destino. E raramente sem sacrifício, também.
Sem dor, sem ganho. Sem sacrifício, sem título.
CURTAS
– Professor Roger Machado merece os louros do trabalho desempenhado até aqui. Contudo, precisa saber que o filme em frente será outro e o buraco vai ser bem mais embaixo;
– Minha reverência, igualmente, ao trabalho do mestre Paulo Paixão;
– No geral, a temporada foi uma merda e a enchente não justifica, embora atenue um pouco;
– Temos algumas boas afirmações: Bruno Gomes, Bernabei, Rômulo e Wesley;
– Temos algumas incógnitas: Clayton, Gabriel Carvalho, Gustavo Prado e Tabata;
– Temos também as decepções: Enner Valencia, Wanderson e Lucas Alario;
– Eu acredito em recuperação de jogadores quando eles querem se recuperar. Não parece o caso de nenhum destes três últimos, apesar de mais de milha por mês;
– Já falei de Alan Patrick muitas vezes e deixo de abordar Vitão pois acho que logo se despedirá. No tocante a Rochet, nada muda, ainda que a última estada na sua Seleção tenha lhe feito mal;
– O lado bom (*contém ironia*) desse “declínio” das últimas rodadas é que não entraremos 2025 com aquela velha ilusão que a próxima temporada vai ser a dos títulos. O time todo, comissão técnica e dirigentes vão ter que mostrar, de verdade, que a hora – enfim – chegou;
– Meu profundo sentimento pelo passamento trágico e repentino do pai do Wesley. Muita força ao nosso atacante e à família!
PERGUNTINHA
Será que o time do Inter está pronto para ser campeão?
Ser Colorado é saber conviver com um mix de sentimentos em curtíssimo espaço de tempo. Haja mental pra viver disso!
PACHECO