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Peço licença para uma narrativa hoje. Uma história que nada tem a ver com futebol…

Nos dias atuais não é comum estarmos longe do aparelho celular. O telefone virou uma espécie de ferramenta universal e onipresente. Porém, estranhamente, a forma que menos usamos ele é para conversar com as pessoas. Normalmente quando olhamos uma sequência de ligações não atendidas de pessoas próximas não costuma ser um sinal de bom agouro. O coração costuma acelerar e os pensamentos começam um passeio ante várias dúvidas.

Isso aconteceu comigo em 13 de setembro de 2020. Era um começo de tarde chuvoso, quando eu, hesitante, retornei uma das ligações. Era a tentativa de contato da minha tia paterna. Ela me contou naquele momento, sem voltas nem atalhos, que meu pai havia falecido. Não havia mais o que fazer, a não ser encontrar uma forma de contar para minha avó.

A forma que minha tia encontrou de dar a notícia para a mãe enlutada foi ir preparando aos poucos, narrando pioras graduais fictícias no estado de saúde de meu pai. Até que em determinado momento ela me avisou que havia contado o desfecho e pude ir vê-las.

Naqueles tempos, que narrando parecem tão longes e sentindo estão tão próximos, os testes para a COVID-19 ainda demoravam vários dias para terem seus resultados entregues. Meu pai estava sob suspeita de ter contraído o vírus, o que foi confirmado apenas três dias depois de sua partida.

Assim, como pairava a dúvida sobre a sua contaminação foi seguido o protocolo de sepultamento exigido pelas autoridades sanitárias. Sem despedidas, sem cortejos… sem carinho e quase sem identidade. O sepultamento deveria ser o mais rápido quanto possível. Isso trazia consigo uma série de efeitos colaterais. Acho que foi a cerimônia mais triste a que presenciei. Não por, obviamente, se tratar de uma despedida tão cara a mim. Mas, por ser tão fria. Não foi permitido velório nem orações. Foi autorizado apenas carregar o caixão, o que naquele dia se fez com a chuva batendo sobre os ombros. Ainda lembro o som da madeira deslizando pelo jazigo e o solitário bater de pedras para selar o repouso eterno.

Se restava alguma dúvida a algum dos poucos presentes de que o vírus era perigoso, naquele cemitério agora reside uma testemunha de que todos os cuidados são necessários e de que o último abraço nunca pode ser deixado para amanhã.

 

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